Doping nas Olimpíadas: como funciona a testagem de substâncias e métodos que são proibidos
14 / Agosto / 2024
As primeiras eliminações de atletas nos Jogos Olímpicos 2024 por uso de substâncias proibidas, que melhoram artificialmente o desempenho esportivo dos competidores, já ocorreram. É o caso do judoca iraquiano Sajjad Ghanim Sehen, que testou positivo para esteroides anabolizantes, e, mais recentemente, da boxeadora nigeriana Cynthia Temitayo Ogunsemilore, cujos exames apontaram positivo para substâncias diuréticas e agentes mascaradores.
Casos como esse destacam como a tecnologia de testagem de atletas de alto rendimento em exames antidoping se mostra fundamental para manter a integridade e a equidade nos jogos olímpicos. Os métodos e as drogas utilizadas para conseguir vantagem indevida em competições são cada vez mais avançados, exigindo das equipes de análise laboratorial habilitações, estudos e tecnologias que acompanhem a evolução do doping.
Neste ano, os Jogos Olímpicos de Paris contam com uma equipe de mais de mil pessoas que atuam no controle dos exames de dopagem dos quase 4 mil atletas que participam das competições. A obrigatoriedade dos exames antidoping iniciou nos jogos de 1968, a partir de testes de urina, por determinação do Comitê Olímpico Internacional (COI), que havia constituído a primeira comissão de combate a substâncias químicas nos esportes, no ano anterior.
“Na época dos primeiros testes, as técnicas eram muito mais simples em detecção de substâncias comparado a hoje, já que elas acompanham os avanços e as descobertas em pesquisas na área de toxicologia e farmacologia”, explica a biomédica Fabiana Guichard de Abreu, professora do curso de Biomedicina da FADERGS.
Diferentemente de quando se busca testes laboratoriais no cotidiano, os atletas de alto rendimento podem ser submetidos à testagem de doping a qualquer momento, mesmo fora de períodos competitivos. Para manter a rigorosidade do protocolo de testagem, os profissionais que atuam no processamento do material biológico são biomédicos habilitados em análises clínicas e em toxicologia.
“A principal diferença dos exames que são feitos para o antidoping e os de rotina são os tipos de técnicas utilizadas, sendo que, no ambiente esportivo, elas são específicas para substâncias que afetam o desempenho fisiológico, exigindo tecnologias mais sofisticadas e, consequentemente, mais caras”, comenta a professora.
A lista de substâncias procuradas nos exames que combatem as vantagens indevidas nos esportes é definida e atualizada regularmente pela Agência Mundial Antidoping (WADA, na sigla em inglês), determinando os tipos de coleta de amostra, técnicas de processamento e protocolos de confirmação dos resultados.
“O exame de doping serve para detectar não apenas os tóxicos utilizados pelo atleta, mas também os seus metabólitos, que são produzidos pelo organismo a partir do medicamento ingerido. Cada substância tem um tempo diferente de permanência no organismo, por isso, cada tipo de amostra busca por um grupo específico de fármaco”, explica Fabiana.
Segundo a profissional, após um primeiro resultado que aponte o uso de substância irregular, há uma investigação mais aprofundada de confirmação. “Caso dê positivo, se usa um método mais apurado ou é feita uma repetição da análise para haver certeza da liberação do resultado”, complementa.
Desafios na luta antidoping
Entre as principais ameaças ao combate eficaz das práticas de doping estão o lançamento de novas substâncias químicas e o uso indevido de práticas terapêuticas para obter vantagens competitivas. “Os principais desafios estão no surgimento de novas substâncias sintéticas, que torna necessário que se faça pesquisas para detectar e padronizar técnicas de identificação biológica dos novos fármacos e até métodos que vão além de medicamentos, como o caso do doping genético”, destaca a biomédica.
O doping genético envolve o uso de técnicas de terapia gênica para aprimorar o condicionamento físico a partir de edição genética. “As técnicas foram desenvolvidas para um fim terapêutico, mas hoje os comitês antidoping já estão atentos para o uso com objetivo de alteração de genoma para aprimorar o desempenho físico. Entretanto, por essas terapias não serem liberadas na maioria dos países, o desafio maior é conseguir pesquisas para estabelecer uma testagem que identifique o uso do doping genético na busca por uma melhor performance esportiva”, comenta a professora.
Os tratamentos genéticos funcionam à base de mudanças de partes do DNA de um tipo específico de células a fim de que, já com genes alterados, elas se reproduzam no organismo, eliminando células que estejam “danificadas”. No Brasil, uma técnica de terapia genética habilitada é a Car-T Cell, utilizada em tratamento oncológico por meio da modificação do DNA de células do tipo linfócitos T, que são responsáveis pela defesa do organismo contra infecções.
Na prática, o tratamento ocorre a partir da coleta de sangue do paciente, nessa amostra são feitas edições genéticas nos linfócitos T até que estejam prontos para serem devolvidos ao indivíduo por transfusão, com as células já alteradas, prontas para combater as células cancerígenas. No âmbito esportivo, as técnicas interferem em tecidos celulares ligados ao condicionamento físico, a exemplo da musculatura, o que torna necessária a classificação do método como irregular.